O campo da neuroarquitetura está em ascensão. Por isso, aqui na Permanenza participamos de grupos de estudos, de palestras, para entender melhor a relação que a arquitetura pode estabelecer com nosso cérebro e a sensação de bem estar.

Por causa de nosso crescente interesse pela área, gostaríamos de recomendar a leitura deste texto. A reportagem foi publicada originalmente na revista Vogue e aborda questões importantes sobre esta área de pesquisa.

 

Pode a arquitetura alterar o cérebro?

Como pessoas se sentem bem em certos ambientes

Arquitetos, desde sempre, são profissionais cuja área de atuação toca muitos outros campos da atividade e do conhecimento humanos. A engenharia, o mais óbvio. A arte, idem. Mas também a física e a filosofia. E (por que não?) a neurociência.

Em maio deste ano, o envolvimento entre aqueles que pensam o espaço e aqueles que estudam o próprio pensamento se aprofundou. Na convenção anual de arquitetos, nos Estados Unidos, o sociólogo e arquiteto John Zeisel se aventurou a palestrar sobre neurociência. Para a sua surpresa, a audácia foi bem-recebida, e a sessão se prolongou além do previsto, repleta de perguntas da plateia. Sua pesquisa tratava dos ambientes construídos para receber pacientes de Alzheimer. “Os arquitetos já entendem de estética e psicologia, o próximo passo é compreender o cérebro e seu funcionamento, percebendo por que as pessoas se sentem melhor em certos ambientes”, instigou.

Experimentos

Para elucidar suas ideias, Zeisel deu o exemplo de Jonas Salk, que, enquanto buscava a cura para a poliomielite, se mudou para a Itália. O cientista sentia que suas capacidades mentais eram aumentadas ou tinham maior fluência dentro da Basílica de São Francisco de Assis – um edifício do século 13 com estilo romanesco. Ele defendeu até o fim da vida que aquela arquitetura teve algum papel em clarear seus pensamentos. Fez com que removesse as obstruções e permitindo que ele, de fato, encontrasse a resposta que procurava. Anos depois, ele pediu ao arquiteto Louis Kahn que tentasse recriar a aura de estímulo cerebral da basílica numa arquitetura totalmente diferente. O campus, inteiro de concreto, com abundância de luz natural, vista para o oceano Pacífico e uma larga praça central, ecoa a tranquilidade monástica do templo em Assis.

Hoje, com quase dez anos de existência, a Academia de Neurociência para Arquitetura (ANFA na sigla em inglês) acredita que o estudo do sistema nervoso pode fazer a maior contribuição para o campo da construção desde os estudos de física do século 19, que estabeleceram novos métodos estruturais, acústicos e de iluminação. Em setembro a academia promoveu a primeira conferência nacional na Califórnia (no Instituto Salk, claro). Foram enviadas dúzias de estudos e propostas sobre o tema. A arquiteta Alison Whitelaw, envolvida no evento, disse: “Eu esperava apenas um punhado de trabalhos, mas recebemos material até de pessoas conhecidas, que não imaginávamos que elas estariam interessadas no assunto”.

Possibilidades

Se os arquitetos dominarem este novo campo de conhecimento, as possibilidades são incríveis. Poderíamos acabar com locais públicos e privados formatados para as mais diferentes deficiências mentais. Imagine: hospitais com caminhos tão intuitivos que ninguém se perde neles, maternidades cuja arquitetura ajuda no desenvolvimento cerebral dos bebês e clínicas que recuperam autistas e ajudam os pacientes que sofrem de perda de memória a lembrar. Estima-se que os seres humanos passem 90% das suas vidas confinados em ambientes construídos. No entanto, é muito recente o interesse da neurociência no campo da construção.

Alison também falou de um estudo atual do Heschong Mahone Group, que demonstrou o impacto da luz natural em escolas. Segundo o grupo, as notas de matemática e leitura melhoraram 20% em salas comprovadamente bem-iluminadas. O projeto destes recintos não levou em conta a questão neural, mas os padrões internacionais de sustentabilidade estabelecidos pela Liderança em Energia e Design Ambiental (LEED na sigla em inglês). Se um desenho pode ser saudável para o planeta, um projeto também pode ser salubre para o cérebro. Alison aposta no estudo e na criação de arquitetura que incentive a existência dos chamados “ocupantes de alto desempenho”.

Homens e máquinas

Um dos neurocientistas que vêm se dedicando ao estudo do encontro entre edificação e cognição é Eduardo Macagno. Ele é fundador e diretor da Divisão de Ciências Biológicas da Universidade de San Diego e ex-presidente da ANFA. Por meio da StarCAVE, uma máquina composta por 16 painéis de realidade virtual dispostos em círculo, o especialista e sua equipe produzem simulações interativas 3D de espaços arquitetônicos em 360°. Os voluntários são submetidos a uma eletroencefalografia (EEG) durante o processo. Isso permite que imagens de seus cérebros sejam feitas.

Alison pede que os profissionais de sua área apostem na técnica conhecida como Design Baseado em Evidência (EBD na sigla em inglês). Isso equivale ao processo de aplicar informações recolhidas e certificadas no processo de criação. O uso desse método de desenvolvimento, segundo ela, já elenca conquistas. Entre elas, as novas unidades neonatal. A luz e o som são minimizados para proteger os prematuros na fase mais importante de desenvolvimento visual e auditivo. Do outro lado, Macagno incentiva as alianças profissionais feitas entre arquitetos e neurocientistas, chegando a sugerir que, do mesmo modo que há um consultor de acústica envolvido no desenvolvimento dos projetos, haja também um cientista participando do processo. Será este o futuro da arquitetura?

 

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